sexta-feira, dezembro 28, 2007

Vergonha ou falta dela...

Estava eu enfiado nos meus pensamentos, atestando o depósito do carro numa destas estações de serviço do centro da cidade, aproveitando aqueles breves momentos de abastecimento para fugir ao perseguidor telemóvel quando um homem envelhecido e maltratado pela vida, roto, sujo e desgrenhado se me dirigiu.

Confesso, não por arrogância ou desprezo, apenas por mera distracção não o vi até chegar bem perto de mim, pelo que as suas palavras me despertaram de forma brusca para a realidade "desculpe, senhor, tem uma moeda?"

Respondi, meio atordoado que não tinha. Nunca tenho, fruto de um trauma de juventude, um (quase) inofensivo assalto de rua, que me fez despertar fervorosamente para a era dos cartões. Ando sempre com eles (cartões), mas nunca com dinheiro.

Ainda lhe tentei dizer, em tom baixo, diga-se a verdade, que lhe oferecia de comer, mas o trapo de homem, já seguia atrás dos outros senhores que atestavam os seus veículos na bomba imediatamente ao lado.

Acabei de atestar e fui pagar, apressado. Ouvi um telefone tocar animadamente, vindo do meu carro. Pensei serem as obrigações do quotidiano que chamavam por mim, e eu sabia que tinha de me despachar.

Mas não, surpresa das surpresas, era o pedinte quem atendia o telemóvel. Falava alto, despreocupado, combinando um encontro com alguém.

Entrei no carro e confirmei que os meus telefones lá estavam.

Onde está a nossa vergonha social? É possível que estejamos tão modernos que os nossos mais pobfres indigentes têm já direito, nos seus direitos mais elementares, à comunicação móvel, ou cumpre-se a lenda de que existem, de facto, indigentes profissionais, que ainda se orgulham de "tão nobre" profissão ser isenta de impostos?!?!

terça-feira, dezembro 18, 2007

Longe da vista...

Ouvindo vozes falando em tons e sons familiares não consigo evitar um sorriso. Falam de restaurantes com sabores diferentes e desconhecidos que estranharam, de costumes culinários com que não se identificaram e criticam, severas, tecendo rasgados elogios aos nossos hábitos e costumes gastronómicos.

Sorrio inconscientemente porque não consigo deixar de ter a pérfida certeza que esta arrogância superiorista de traça quase colonial desaparecerá em segundos, provavelmente ainda antes de o avião levantar as suas rodas do chão.

Somos assim, irremediavelmente míopes, infantilmente ingénuos, deixando que o nosso discurso roçe facilmente para a estupidez. portando-nos perante pares nossos como os donos da razão sem nos apercebermos do papel que representamos.

Como todos, os daqui, desta terra que nos acolheu mellhor ou pior são como são. Autênticos, sãos, orgulhosamente alegres com a sua identidade. Já nós, cumprimos o nosso triste fado de maldizermos uns e outros e continuamos maldizendo e queixando-nos enquanto nos reduzimos à nossa insignificância.

Por mim, fui feliz aqui, pela diferença e alegria de me sentir tão mais identificado com a minha terra. Porque acredito que a diferença é benéfica e a descoberta enriquece. As rodas soltam-se do chão, e cumprindo com as antevisões que fizera, eis que o discurso, com as asas do avião, adorna e volta-se agora para os defeitos dos nossos, ainda "de lá" que milhares de quilómetros nos distanciam ainda.

Distancio-me das vozes, calo-as fora de mim e deixo-me embalar. Volto para onde gosto de estar.