terça-feira, outubro 27, 2009

Saramago, Maitê e o topo do mundo

As palavras conseguem deixar-nos marcas dolorosas muitas vezes, como se fossem punhais, pontas incandescentes de marcadores de cavalos que nos gravam na pele registos incontornáveis.

Se algo aprendi ao longo dos últimos anos em que assisto (e participo) em polémicas tantas vezes foi que, no entanto, uma conduta regida por valores é mais íntegra, mais válida, e acima de tudo mais coerente, e por isso, embora muito sujeita a ataques, certamente pouco susceptível a eles.

É que ofender não é para quem quer, é para quem pode.

Quando ouço um nobre escritor Português, cuja escrita particularmente admiro pela sua crueza e genialidade dizer aquilo que os Americanos tão bem intitulam como "bullsh*t", não consigo deixar de sorrir...

Saramago escreve recorrentemente sobre coisas em que não acredita, temas que sabe que serão polémicos, despertarão acesas paixões e discussões, e certamente, mantê-lo-ão na berra. Saramago é um génio do marketing, um verdadeiro mestre na arte de entrar dentro das nossas profundas convicções e abalá-las com palavras ferozes e contundentes, ditas naquele tom (quase) angelical de quem tem para cima de 80 anos e vive numa ilha (quase) deserta.

Vindas de Saramago, que descreve com aquela crueza comportamentos humanos degradantes e degradados nos seus livros (vem-me de repente o badalado Ensaio sobre a Cegueira e aquelas regras do sanatório), não me espantam.

Espantam-me, chocam-me isso sim, as reacções fleumáticas e explosivas de quem deveria ter melhores conselheiros e o aproveitamento básico e elementar que, infelizmente mais uma vez, os órgãos de comunicação social fazem do tema.

Eu sou "filho da Liberdade", nascido depois de 74, e aprendi muito bem esse credo - TODOS têm direito a ter QUALQUER opinião. Choca saber que continua a haver saudosistas radicais, nazis, comunistas fundamentalistas, anárquicos e tarados? Claro que sim. Mas se somos livres, temos de os deixar existir.

Lembro as palavras de um Homem que admiro profundamente que, à minha pergunta de jovem devoto: "Mas porque deixa Deus que exista o Mal?" me respondia com sabedoria: "Porque Deus não impede nada. Mas, quando somos livres, só escolhemos o melhor para nós, o Bem".

A mesma coisa com a crónica pateta da Maitê Proença. Nada naquela crítica cómica e (na minha opinião) vagamente conseguida ofende qualquer pessoa que tenha visto os Gatos, os Contemporâneos ou mesmo os Homens da Luta. Será o sotaque? Ou será o facto de o "barrete" servir em algumas cabecinhas?

No nosso colectivo, deixar-mo-nos atingir por estas demonstrações de liberdade (e pouco senso, se virmos bem as coisas...) só demonstra o fatal complexo Português, uma espécie de vergonha por estarmos num canto da Europa (seja Sul ou Oeste, como alguns novos complexados agora pretendem localizar-nos), mas certamente periféricos.

Sem querer (ou querendo - ver blog anterior, ainda antes de saber o que me ia acontecer) , vim nos últimos meses parar ao Brasil, onde estou a residir numa cidade maior que o meu País.

Aqui, todos os dias se valoriza o que é brasileiro, as empresas batem no peito pelo que fazem pela Nação, o Estado orgulha-se da evolução do País. E não há roubos, não há corrupção, insegurança, incertezas? Claro que sim, mas há auto-estima e fé inabaláveis.

Os brasileiros repetem muitas vezes que são "abençoados por Deus". Mesmo quando não têm o que comer, mal têm onde dormir e não saem se vão chegar a casa vivos do trabalho.

Há quem lhes chame conformados. Eu acredito que são descomplexados. Os Brasileiros são o que são, acreditam no que acreditam e podem vir dizer o que quiserem, eles continuarão assim.

Nós, Portugueses, parecemos uns "meninos", filhinhos mais novos, incorfomados se não tivermos a aprovação dos papás e dos manos. E se aparece uma boneca que diz que somos feios em vez de sermos bonitos, ficamos muito aflitos. Se aparece um não-crente ferindo as nossas crenças, ai Jesus Mãezinha.

Cresçamos e ganhemos senso...

Deixe-no vir, que estamos cá para eles.

O topo do Mundo está aqui, e em qualquer lugar. Nós estamos no topo do Mundo.

Pelo menos, assim parece aqui deste periscópio.

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